segunda-feira, 5 de junho de 2017

Compilações

Conheço vários coleccionadores de discos que têm as suas discotecas pessoais recheadas de compilações. Por vezes, têm as mesmas músicas dispersas por vários discos dos mesmos artistas. Conheço também pessoas que não estão para gastar muito dinheiro em discos e que, para pouparem, compram apenas compilações. E há ainda quem, como eu, não seja adepto de compilações. Mas também não é preciso exagerar, pois há casos em que valem mesmo a pena. Destaco aqui alguns desses casos.

Antes disso, talvez seja útil ter em conta que há três tipos principais de compilações: os Greatest Hits, os The Best Of e as retrospectivas. Do primeiro tipo são, como o nome indica, as colecções das músicas mais populares (mais vendidas) de um dado artista, durante um certo período, que pode ser toda a sua carreira; do segundo tipo, fazem parte as colecções das melhores músicas, sejam ou não as que mais sucesso tiveram; no terceiro tipo, encontramos a colecção das músicas mais representativas das várias fases criativas do artista, independentemente de serem as mais vendidas ou até a melhores. Em minha opinião, raramente os Greatest Hits valem a pena, pois não é invulgar as músicas com mais sucesso de um artista serem também as menos interessantes. Claro que a qualidade dos The Best Of também depende de quem faz a selecção (há casos em que são os próprios artistas e outros em que são as editoras). Por sua vez, as retrospectivas têm um interesse mais documental, chegando a incluir músicas que não fazem parte de discos anteriores e versões diferentes das originais.

Aqui fica uma meia-dúzia das melhores compilações que conheço.

DEEP PURPLE, Mark I & II (1973)


Os Deep Purple são frequentemente subestimados e compreende-se porquê: a partir de certa altura passaram a macaquear-se a si próprios e a esbanjar a boa reputação adquirida nos seus melhores tempos. De tal modo que quase tudo o que fizeram a partir de 1974 é para esquecer. Mas para quem quer ouvir o melhor da melhor fase dos DP não precisa de mais do que a excelente compilação Mark I & II, um duplo álbum que penso ter sido editado só em vinil. O título da compilação Mark I & II refere as duas primeiras formações dos DP (havendo ainda as formações posteriores, conhecidas como Mark III e Mark IV).

O primeiro disco contém apenas músicas do período conhecido como Mark I (o vocalista desta primeira formação era Rod Evans), e o segundo disco inteiramente dedicado ao mais inspirado período dos DP, o Mark II, já com a belíssima e poderosa voz de Ian Gillan. Uma curiosidade: no início dos anos 70 do século passado, o genial compositor russo Chostakovich assistiu em Londres à ópera-rock Jesus Christ Superstar e disse ter ficado simplesmente encantado, a ponto de acrescentar que gostaria de ter composto algo nessa linha. A personagem de Jesus era interpretada precisamente por Ian Gillan.

Foi do período Mark II que saíram as mais brilhantes canções dos DP e que os impuseram como um dos principais fundadores do chamado hard rock. Trata-se de um hard rock progressivo, com um toque sinfónico dado sobretudo pelo inconfundível organista Jon Lord. Mas todos os membros desta formação eram músicos fantásticos. Os DP desta fase chegaram mesmo a gravar um álbum ao vivo com a Royal Philharmonic Orchestra, dirigida pelo maestro e compositor Malcolm Arnold.

O disco 2 desta compilação inclui algumas das melhores músicas deste período, sem esquecer a bela balada When a Blind Man Cries, originalmente editada como single (lado B), e a versão ao vivo de Highway Star, que é bem melhor do que a versão original de estúdio. O disco 1 é totalmente dedicado a Mark I, onde encontramos preciosidades como Hush, mas também interessantes versões de canções alheias como Help dos Beatles ou Hey Joe, mais conhecida pela voz de Hendrix.

Em suma, neste duplo álbum está quase tudo o que interessa dos DP. Só não se compreende como um disco com boa música tem uma capa tão má. Dificilmente se consegue imaginar pior.


LEONARD COHEN, The Best Of (1975)


Esta colectânea de 1975 inclui apenas canções dos quatro primeiros discos de originais de Leonard Cohen: Songs of Leonard Cohen (1967), Songs From a Room (1969), Songs of Love and Hate (1971) e New Skin For the Old Ceremony (1974). Mas são, em minha opinião, também os quatro melhores discos de Cohen. E o melhor de tudo é que esta colectânea reune mesmo o melhor dos quatro, fazendo dele um disco irresistível, onde não há uma única canção dispensável: Bird on The Wire, Sisters of Mercy, Hey, That's No Way to Say Goodbye, Suzanne, So Long, Marianne, Famous Blue Raincoat ou Who By Fire. É talvez a melhor colectânea que conheço. Um disco perfeito. E mais uma capa fraquinha.


LOU REED, A Walk on the Wild Side: The Best of Lou Reed (1977)


O que não falta são compilações de Lou Reed. Em geral, as compilações mais tardias acabam por deixar de fora algumas das melhores canções de Reed para poderem entrar outras mais recentes, mas também mais banais. Mas esta compilação abrange apenas o que considero ser o período mais criativo de Reed. E há ainda o cuidado de não optar pelo mais fácil, dispensando acertadamente canções tão óbvias como Perfect Day. Digna de registo é também a qualidade do som (só conheço o disco em vinil). 


THE SMITHS, Hatful of Hollow (1984)


Este disco quase poderia contar como um álbum de originais. Por estranho que possa parecer, saiu pouco depois do primeiro disco de The Smiths. Contudo, o grupo liderado pela dupla Morrissey e Marr (a propósito, Marr diz ser um ávido leitor de filosofia, sobretudo de filosofia da religião) tinha o hábito de regravar as suas músicas com diferentes arranjos e sonoridades, de que resultavam canções quase novas, nalguns casos melhores do que as versões originais. Além disso, esta compilação inclui ainda singles que não fazem parte de qualquer outro álbum. Isto porque The Smiths raramente encaravam  os singles como estratégia de promoção de álbuns mas antes como criações autónomas. Por isso se encontram aqui grandes canções como How Soon is Now, que está ausente de qualquer dos seus discos de originais.


JOY DIVISION, Substance (1988)


Os Joy Division só gravaram dois (e que dois!) álbuns de originais. Mas ainda antes do seu primeiro álbum, quando eram um grupo seguido apenas em Manchester e pouco mais, já tinham gravado vários singles de circulação bastante restrita. Esta compilação, organizada pelos três ex-membros dos Joy Division, é uma verdadeira retrospectiva do grupo de Ian Curtis, pois inclui material representativo de toda a sua história, desde os primeiros anos. Integra mais de meia-dúzia de canções dos Joy Division que não fazem parte dos seus dois álbuns Unknown Pleasures e Closer, entre as quais a marcante Love Will Tear Us Apart.


FRANK ZAPPA, Strictly Commercial: The Best of Frank Zappa (1995)


A discografia de Zappa é, como se sabe, tão grande quanto variada. E a sua música é tudo menos comercial. Muitas das suas melhores criações são totalmente instrumentais, com frequentes incursões pelo jazz e pela música experimental. Não se vê como uma compilação poderia dar conta de tudo isso. Mas também não é isso que esta compilação procura fazer, limitando-se a abrir as portas do universo musical de Zappa pelo lado mais acessível. Neste caso, isso é muito bem conseguido, graças à excelente selecção de canções. Entre elas contam-se Peaches En Regalia, Dirty Love, Joe's Garage, Montana e o popular Bobby Brown Goes Down (esta apenas na edição europeia). É o Zappa ideal para quem gosta de Zappa mas não aguenta demasiado Zappa.

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